Confesso que estou planejando esse artigo há meses. Além do teor da informação, que mudava ligeiramente a cada artigo científico que saia ao longo desses meses, acredito que a preocupação com o tom, as palavras e a minha responsabilidade em informar sem amedrontar me fizeram adiar a publicação desse artigo por diversas vezes.
O fato: a infecção pelo SARSCOV, como todos os vírus, pode originar diversas manifestações clínicas (doenças) diferentes. A manifestação mais comum é a pneumonia, mas artigos publicados já descreveram miocardite (inflamação do músculo do coração), vasculite (inflamação dos vasos sanguíneos), dermatite (inflamação da pele) entre outros. Entenda: esse é um comportamento comum a todos os vírus, o de causar mais de uma "doença" - o vírus da hepatite, que causa mais frequentemente hepatite, também pode manifestar dermatite em alguns casos.
Dito isso, a manifestação do COVID que vou conversar por aqui é a da trombose.
Vários trabalhos mostram que a inflamação que o vírus causa no corpo afeta a coagulação do sangue, predispondo a tromboses nas mais variadas veias e artérias do corpo - vasos das pernas, dos braços, do cérebro, do coração, etc. O local mais comum são veias e artérias dos membros inferiores.
- O COVID causa trombose?
Não. Não é bem assim.
Como já publiquei em outro artigo aqui a trombose não é doença de uma causa só, mas uma doença "multifatorial", o que significa que, para acontecer, precisa da presença de mais de um fator que altere a coagulação do sangue, o que chamamos de fatores de risco. Ao que tudo indica, a infecção pelo COVID é mais um fator de risco para trombose descoberto, assim como o uso de hormônios derivados de estrogênio e testosterona, varizes, câncer, imobilidade, entre outros já discutidos aqui e aqui.
Então vou ser bem direta na resposta às perguntas que devem ter surgido na sua mente agora:
"Se pegar covid, necessariamente terei trombose?" NÃO.
"Se pegar covid, tenho chance de ter trombose?" SIM.
"Se pegar covid, o que preciso fazer para não ter trombose?" DEPENDE.
É sobre esse depende que vamos conversar. É sobre esse depende que toda semana surgem diversos artigos científicos com estudos cada vez maiores e com maior confiabilidade científica.
- Como prevenir trombose no COVID?
Assim como em todas as outras situações, as medidas de prevenção são elaboradas com base na quantificação do risco de trombose, resultado de uma pontuação. Explico:
quanto mais pontos o paciente tem naquele momento, maior o risco de trombose
quanto maior o risco de trombose, mais incrementadas devem ser as medidas de prevenção a serem adotadas
Não vou dissertar aqui quais são as medidas e medicações que nós médicos tomamos para cada faixa de risco (baixo risco, médio risco e alto risco), pois minha responsabilidade profissional inclui, além de informar, também não estimular a automedicação descontrolada a que a população está suscetível nesse período de incerteza. Além disso não pretendo formar nenhum angiologista por aqui e informação demais sem conhecimento básico para assimilá-la pode só atrapalhar.
Os trabalhos científicos que estão sendo feitos objetivam tentar identificar com maior precisão quem vai se beneficiar com o uso de cada medicação disponível para prevenir a trombose, visto que o uso dessas medicações anticoagulantes traz necessariamente um risco muito conhecido e que também deve ser evitado por motivos óbvios, o risco de sangramento.
Alguns exames de sangue têm se mostrado aliados bastante fortes nesse sentido, porém até agora nenhum deles tem validade absoluta e, por isso, são usados para complementar a avaliação médica completa. Aqui está incluído o exame de D-dímero, que é mais um desses exames de sangue que têm ajudado a identificar quem está com maior risco de desenvolver trombose no COVID.
- Depois de curado do COVID, ainda posso ter trombose?
Outra informação importante é de que há evidências de que o risco de trombose pode permanecer mesmo após a infecção já curada. Por quanto tempo? Infelizmente temos que aguardar os próximos estudos, porém até o momento evidências sugerem algo em torno de 45 dias.
- Quem deve passar por avaliação médica?
Concluindo, se o COVID é mais um fator de risco descoberto para trombose, assim como acontece com todos os outros fatores, ele traz maior risco quanto mais fatores a pessoa já possui, mesmo que não saiba. Dessa forma, uma avaliação médica geral para quantificar o risco de trombose se faz necessária, mesmo após a infecção já curada.
Já em caso de sintomas sugestivos de trombose*, a avaliação médica com angiologista é obrigatória, para ser feita o mais rápido possível.
- Quais são os sintomas de trombose no COVID?
Os locais mais comuns de trombose são os membros inferiores e os sintomas mais comuns são:
Trombose de veia: dor e inchaço na perna
Trombose de artéria: dor, palidez e frialdade na perna
Como já dito em outras publicações, os sintomas podem variar de pessoa pra pessoa e, na menor dúvida, uma consulta médica é imperativa.
Dra Karolina Frauzino é médica cirurgiã vascular em Brasília, dedicada ao tratamento de doenças venosas, com Título de Especialista em Cirurgia Vascular, pela Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular
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